sábado, 22 de janeiro de 2011

Razão & Sensibilidade: o porão da universidade?


"Não é novidade que para refletirmos sociologicamente sobre a universidade pública hoje, devemos levar em conta as tendências de boa parte da sociedade civil e as diretrizes que o Estado tem levado a adotar desde sua criação. Que existem formulações e perspectivas que de uma forma ou de outra querem redefinir a correspondência desejável entre a civilização emergente e a “universidade necessária”. Pois enquanto a sociedade civil está predominantemente determinada pelo jogo das forças sociais internas, o Estado e os governos locais parecem estar crescentemente determinados pelo jogo das forças sociais e políticas que operam de fora para dentro do Brasil.

(...) Platão (427-347 a. C.), o pai da filosofia política ocidental, tentou de várias formas se opor à polis e ao que ela entendia por liberdade por meio de uma teoria política na qual os critérios políticos eram derivados não da política, mas da filosofia, de uma Constituição detalhada cujas leis correspondiam a ideias somente acessíveis ao filósofo e, finalmente, influenciando um governante para que transformasse essa legislação em realidade – intento que quase lhe custou a liberdade e a própria vida. A fundação da Academia foi outro de tais intentos, ao mesmo tempo em oposição à polis, por situá-la fora da arena política, e em consonância com o conteúdo desse espaço político especificamente greco-ateniense, que é o fato de falarem os homens uns com os outros. Com isso emergiu, ao lado da esfera da liberdade política, um novo espaço de liberdade que sobrevive até a nossa época na forma da liberdade das universidades e da liberdade acadêmica.

Embora criada, como é sabido, à imagem de uma liberdade originalmente experimentada como política e presumivelmente entendida por Platão como cerne ou gênese da definição da vida em comum da maioria no futuro, essa liberdade resultou efetivamente na introdução de um novo conceito de liberdade no mundo. O fato é que, em contraposição a uma liberdade puramente filosófica válida somente para o indivíduo, para o qual tudo que é político é tão remoto que somente o corpo do filósofo habita a polis, essa liberdade da minoria é política por natureza. Melhor dizendo, o espaço livre da Academia devia ser um substituto plenamente válido da praça do mercado, a ágora, o espaço central da liberdade na polis. Para se manter como tal, a minoria tinha de exigir que sua atividade, seu falar uns com os outros, fosse dispensada das atividades da polis da mesma forma como os cidadãos de Atenas eram dispensados das atividades destinadas a ganhar o pão de cada dia.

Para Hannah Arendt ela precisava ser libertada da política no sentido grego, isto é, para ser livre no espaço da liberdade acadêmica, da mesma forma como o cidadão tinha de se libertar das necessidades práticas da vida para estar livre para a política. Para entrar no “espaço acadêmico”, os poucos tinham de sair do espaço da política real, da mesma forma como os cidadãos tinham de deixar a privacidade de seus lares para ir à praça do mercado. Assim como a libertação do trabalho e das preocupações cotidianas era um pré-requisito para a liberdade do homem político, a libertação da política era um pré-requisito para a liberdade do acadêmico.

A fundação da Academia, porém, revelou-se extraordinariamente importante para aquilo que ainda hoje entendemos por liberdade. Platão talvez acreditasse que a Academia pudesse algum dia conquistar e governar a polis. Mas sua única consequência efetiva, para os sucessores de Platão e os filósofos subsequentes, foi que a Academia garantiu à minoria o espaço institucionalizado de uma liberdade entendida desde o começo como contraposta à liberdade da “praça do mercado”. Ou seja, ao mundo das falsas opiniões e dos discursos enganosos se deveria opor o seu correlato, o mundo da verdade e do discurso compatível com a verdade, a ciência da dialética em oposição à arte da retórica".

Ubiracy de Souza Braga . Espaço Acadêmico

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Foto: A Escola de Atenas, pintura de Rafael Sanzio (1483-1520), pintura que se encontra no Colégio Apostólico, Vaticano. Platão, ao centro vestido de vermelho, segura um tratao ( o Timeu) e aponta para o alto.


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